Para além das adversidades

Maria cresceu num bairro modesto, onde as ruas estreitas e as casas coladas umas às outras espelhavam a proximidade vivida entre os vizinhos, que, tal como ela, partilhavam das mesmas dificuldades. A sua família, embora humilde, ensinou-lhe desde cedo o valor da resiliência. Com um pai impedido de trabalhar por uma incapacidade e uma mãe que se desdobrava em vários trabalhos temporários para sustentar os filhos, Maria percebia que o caminho para uma vida melhor exigia muito esforço e dedicação. Aos dez anos, enquanto as amigas brincavam, Maria passava os dias a ajudar a mãe e a estudar, sonhando com uma profissão onde pudesse não só dar uma vida mais digna à sua família, mas também permitir-lhe ajudar os outros.

Determinada, dedicava-se aos estudos, estando sempre atenta nas aulas, participando com entusiasmo e tirando dúvidas com os professores sempre que necessário. Depois das aulas, estudava até tarde, muitas vezes à luz de um pequeno candeeiro, e, mesmo nas noites frias de inverno, envolvia-se num cobertor velho e persistia a fazer os seus apontamentos.

Os anos passaram, e, com o término do secundário, Maria conseguiu uma bolsa para ingressar na universidade, onde escolheu Psicologia, motivada pelo desejo de compreender e ajudar pessoas em contextos difíceis, fossem eles quais fossem.

Ao terminar a licenciatura, seguiu para o mestrado e, após completá-lo, conseguiu um estágio numa associação que apoiava crianças em contextos desfavoráveis, uma oportunidade que para ela significava não só um marco profissional, mas também a realização de um sonho antigo: finalmente, podia aplicar o que aprendera e trabalhar diretamente com aqueles a quem tanto queria ajudar.

No estágio, Maria destacou-se rapidamente pelo seu trabalho exemplar e pela sua facilidade em criar laços com as crianças, cativando a confiança e simpatia de todos na associação, desde as auxiliares e enfermeiras aos demais profissionais da equipa. A sua empatia, bondade e respeito transpareciam em cada gesto, e as crianças sentiam-se compreendidas e valorizadas ao seu lado, o que fazia uma diferença significativa para a dinâmica da associação. Quando o estágio terminou, o seu trabalho foi reconhecido, e ofereceram-lhe um contrato a tempo inteiro, garantindo-lhe a estabilidade de que precisava e a oportunidade de se aprofundar naquilo que amava.

Certo dia, durante uma pausa para o almoço, as colegas comentaram que uma vaga para a direção da associação tinha sido aberta. "Maria, tu devias candidatar-te!", disse-lhe uma colega, sorrindo, e Maria riu, desconfortável. Nunca ambicionara cargos de destaque, pois o seu foco sempre fora ajudar diretamente as crianças, mas, à medida que o grupo de colegas a encorajava, começou a considerar essa possibilidade. Sabia que, numa posição de liderança, poderia implementar mudanças significativas e aprimorar o atendimento com novas ideias e abordagens em que acreditava profundamente.

Hesitante, mas determinada, Maria decidiu arriscar. Reuniu a documentação necessária e elaborou uma proposta que espelhava as suas ideias para o futuro da associação, dedicando-se com a mesma seriedade e empenho que colocava no seu trabalho com as crianças. Na noite anterior à entrevista, mal conseguiu dormir, ansiosa pelo que considerava um momento decisivo. Na manhã da entrevista, ao chegar ao escritório, encontrou o monitor do seu computador cheio de notas adesivas com mensagens de apoio das colegas: "Força, Maria!" e "Estamos contigo!" eram apenas algumas das palavras que lhe encheram o coração de gratidão e lhe deram a confiança de que precisava.

Durante a entrevista, Maria falou com honestidade, partilhando a sua visão para a associação e explicando o quanto valorizava um ambiente acolhedor para as crianças. Apresentou as suas ideias com paixão e autenticidade, sentindo que tudo o que tinha vivido até ali a preparara para aquele momento. Saiu da sala com um sentimento de missão cumprida, orgulhosa de ter dado o melhor de si e de ter partilhado com sinceridade o que acreditava ser essencial para o futuro da associação.

A semana seguinte foi de expectativa, marcada por um nervosismo que se misturava com uma serenidade inesperada, e, finalmente, a resposta chegou: Maria não tinha sido escolhida para o cargo. Sentiu uma certa tristeza e frustração, mas, ao refletir, percebeu que fizera tudo o que podia e que o processo fora, acima de tudo, uma experiência de autodescoberta. As colegas não tardaram a apoiá-la, com palavras de incentivo que aqueceram o seu coração: “Não desistas, Maria. O teu lugar está aqui, com estas crianças, e isso é o que realmente importa.” No dia seguinte, ao chegar ao escritório, encontrou um envelope sobre o teclado. Ao abri-lo, viu um postal das colegas com mensagens de carinho e reconhecimento, um gesto que, para ela, valeu mais do que qualquer distinção ou título.

Naquele momento, sentiu que o seu lugar era ali, entre aquelas crianças que lhe enchiam a alma e, mais importante do que qualquer cargo ou posição, prometeu a si mesma que continuaria a lutar para dar-lhes um futuro melhor, tal como gostaria que alguém tivesse lutado quando ela era criança.

A partir desse dia, voltou ao trabalho com ainda mais dedicação, convicta de que cada sorriso, abraço e olhar daquelas crianças era a verdadeira recompensa, sabendo que, independentemente de títulos, o seu trabalho e a sua presença já faziam a diferença. 

A importância de sermos resilientes

Esta história é um exemplo poderoso de resiliência, onde Maria, apesar das limitações económicas e do contexto desfavorável em que cresceu, transformou os desafios em motivação para alcançar os seus objetivos e ajudar os outros. Resiliência, neste contexto, surge como uma força que não se limita a ultrapassar as adversidades, mas que também a moldar o caráter e definir o propósito de vida.

Desde a infância, Maria aprendeu a importância do esforço e da dedicação, incorporando a ideia de que as dificuldades são superáveis quando se tem um objetivo claro. Ao dedicar-se aos estudos e a uma causa que lhe diz muito, ela transforma a sua própria dor em empatia e vontade de cuidar dos mais vulneráveis, sendo este um dos pontos altos da resiliência.

O seu percurso é marcado por várias fases de crescimento, onde cada desafio, desde estudar em condições adversas, até candidatar-se a um cargo para ao qual sentia que ainda não tinha ainda a experiência necessária, a torna mais forte e mais certa do impacto positivo que quer gerar.

Resiliência, então, não é apenas o que nos faz resistir aos tempos difíceis, mas também o que nos inspira a melhorar continuamente, a aprender com cada fracasso, como quando Maria não consegue a posição a que se candidata e, mesmo assim, mantém o desejo de criar um futuro melhor para as crianças da associação. A resiliência de Maria está na sua capacidade de ver cada experiência, positiva ou negativa, como parte do seu crescimento, reconhecendo que, independentemente da posição que ocupa, o seu trabalho e dedicação continuam a impactar vidas de forma profunda.

Podemos concluir ainda, através desta história, que resiliência não significa alcançar tudo de imediato, mas sim manter-se firme no propósito de fazer a diferença e crescer com cada obstáculo superado. Afinal, a verdadeira vitória da Maria não está no cargo que eventualmente possa alcançar, mas no respeito, carinho e admiração daqueles que ela inspira diariamente. A resiliência, no caso da Maria, é a força de continuar a cuidar e a acreditar que as suas ações podem mudar o mundo ao seu redor, uma pequena vida de cada vez.

13 de agosto de 2025
Hoje, o caderno da Matilde está guardado na minha mesa de cabeceira. Às vezes abro-o, quando me sinto longe de mim. Quando esqueço quem fui naquele verão. E cada vez que o leio, lembro-me: fomos felizes ali.
6 de agosto de 2025
E, às vezes, ainda volto a abrir a caixa onde guardei as notas aderentes daquele verão. Só para me lembrar do que sou e do que a minha mãe me ensinou, com um gesto simples e um coração cheio.
30 de julho de 2025
Quando me deitei, encontrei um postal debaixo da almofada. Era de um papel espesso, com um toque suave, como os de antigamente, com várias borboletas desenhadas em tons suaves de azul e dourado, quase a esvoaçar para fora da página. Tinha um aspeto antigo, mas lindíssimo, como se tivesse atravessado décadas só para me
23 de julho de 2025
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16 de julho de 2025
— Preciso que vás a casa. À gaveta da minha mesinha de cabeceira, do lado direito. Está lá uma bolsinha de pano, antiga… tem uns beija-flores desenhados. Traz-ma amanhã, sim?
9 de julho de 2025
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2 de julho de 2025
Numa tarde quente, depois de mais um dia a tentar afastar os pensamentos dos exames, a minha mãe veio fazer-me companhia no jardim, trazendo duas canecas com chá frio e sentou-se ao meu lado. Ficámos ali, no silêncio que só o verão sabe dar, enquanto eu passava os dedos pelos desenhos impressos na cerâmica.
26 de junho de 2025
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18 de junho de 2025
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11 de junho de 2025
Entrei pela porta da frente, e logo o fresco do interior me envolveu. Fui direta à estante baixa junto à lareira. E lá estava ele, de onde nunca saiu: o tubo do puzzle.
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