Reconectar com as origens

Joana sempre soube que o seu destino era maior do que a pequena cidade onde nasceu. Desde criança, que ela sentia uma atração quase magnética pelos palcos, pelos aplausos e pelas luzes que iluminavam os atores. Por isso, estudou artes dramáticas com uma dedicação feroz, acreditando firmemente que estava destinada a algo grandioso e, Portugal, por mais belo que fosse, parecia-lhe limitado para as suas ambições. Por isso, quando finalmente terminou os seus estudos, decidiu que a Inglaterra, com as infinitas oportunidades, seria o lugar perfeito para se iniciar na realização deste seu sonho.

A chegada às terras de Sua Majestade não foi fácil. O clima cinzento e a chuva incessante contrastavam com o calor acolhedor que estava habituada. A língua, embora tivesse um bom domínio do inglês, era um obstáculo nas conversas mais banais e, por vezes, sentia-se desconectada com as pessoas. O estilo de vida era frenético, as ruas lotadas de gente apressada, e os costumes pareciam-lhe frios em comparação com a proximidade calorosa dos portugueses. Apesar de tudo, Joana tinha uma resiliência inabalável. Sabia que o início seria difícil, mas acreditava que, com o tempo, conquistaria o seu espaço e estava certa, pois pouco a pouco, começou a integrar-se.

Começou por fazer pequenas peças de teatro em produções independentes, e a sua paixão e talento não passaram despercebidos. As oportunidades começaram a surgir, e ela foi-se sentindo cada vez mais confortável naquela nova cultura. As grandes cidades fascinavam-na: os teatros imponentes, as ruas vibrantes, os cafés repletos de vida. Joana rapidamente fez um grupo de amigos, e juntos organizavam jantares, saídas à noite, e até viagens curtas para explorar o Reino Unido juntos. Sentia-se finalmente em casa, inserida num círculo social vibrante, e a cidade, que antes lhe parecia fria e distante, agora revelava os seus encantos.

No entanto, no mundo competitivo do teatro, as rivalidades eram inevitáveis e Joana percebeu que nem todos estavam ali para apoiar o seu sucesso. Os sorrisos nem sempre eram sinceros, e as oportunidades, raras e valiosas, podiam transformar amigos em concorrentes. Ela própria começou a sentir uma necessidade crescente de proteger o seu espaço e garantir o seu lugar no palco.

Durante uma das suas viagens com amigos, a sua colega de quarto, Sara, confidenciou-lhe sobre um grande casting que se avizinhava, era para um papel de destaque, algo que poderia catapultar a carreira de qualquer atriz. Joana sentiu uma excitação imediata. Aquele papel poderia ser o que ela sempre sonhara. Contudo, sabia que Sara também ia participar, e a sua presença representava uma grande ameaça já que Sara era talentosa e tinha tantas hipóteses de ser escolhida quanto ela.

Assim que regressaram da viagem, Joana pesquisou tudo sobre o casting. Era um evento único, de apenas um dia, e cada atriz tinha uma só oportunidade de brilhar. O nervosismo misturava-se com a ambição. E foi então que Joana tomou uma decisão que, mais tarde, a atormentaria. Disse a Sara que o casting tinha sido adiado para o dia seguinte, uma mentira que garantiria que a sua colega não aparecesse.

No dia do casting, Joana deu tudo de si. Sentiu-se no seu elemento, segura, confiante. Quando ouviu o seu nome ser anunciado como a escolhida para o papel, a felicidade tomou conta de si. Aquele era o momento com que sempre sonhara: ser reconhecida, ser a estrela. No entanto, essa euforia durou pouco.

Ao chegar a casa, Sara estava lá, com um olhar de desilusão que atravessava Joana como uma espada afiada. Sara confrontou-a, percebendo o que tinha acontecido, e chamou-a desonesta e manipuladora. Joana tentou justificar-se, mas as suas palavras soaram vazias. A amizade entre elas, que antes parecia inquebrável, desmoronou-se ali. Sara, sem dizer mais nada, fez as malas e saiu de casa. O silêncio que ficou para trás foi ensurdecedor.

Sozinha no seu quarto, Joana refletiu sobre o que fizera. Tinha conseguido o papel que tanto desejava, mas a que custo? A sua ambição tinha-a transformado numa pessoa que nunca pensara ser. Será que tudo valia em nome de um sonho? Ao longo da noite, as perguntas multiplicaram-se e, com elas, uma sensação de vazio.

Na manhã seguinte, tomou uma decisão inesperada. Ligou à diretora do casting e recusou o papel, sugerindo Sara como a candidata ideal. Não se sentia digna daquela oportunidade, não da forma como a tinha conseguido. Em seguida, enviou uma longa mensagem de desculpas à sua antiga colega de quarto, na tentativa de obter o seu perdão. Sentia que precisava de mais do que palavras, precisava de se reconectar com a sua essência, e isso só poderia acontecer no lugar onde tudo começara.

Sem hesitar, comprou um bilhete de avião de volta a Portugal. Quando chegou à sua terra natal, o cheiro da maresia e o calor do sol envolveram-na como um abraço familiar. Ao longe, avistou a sua avó no quintal, estendendo a roupa, a cantarolar uma melodia que sempre a acalmara. Assim que a avó a viu, deixou tudo o que estava a fazer e correu para ela, emocionada por revê-la após tantos anos.

Joana tinha medo de que a avó estivesse zangada por ela ter estado tanto tempo ausente, por ter ligado tão poucas vezes. Mas, em vez de recriminações, recebeu apenas um abraço quente, que parecia capaz de curar todas as feridas. A avó, com o seu sorriso acolhedor, convidou-a para entrar. Tinha acabado de preparar um bolinho, e aquilo era o pretexto perfeito para o abrir.

Dentro da casa, tudo estava exatamente como Joana se lembrava. As molduras antigas nas paredes, as toalhas de renda sobre as mesas, o cheiro de bolo acabado de fazer no ar. A avó estendeu a sua toalha de chá favorita e que sempre usara, a que tinha limões amarelos estampados, e colocou o bolo no centro da mesa. Preparou o chá com a mesma delicadeza de sempre e puxou uma cadeira, sorrindo:

“Então, como está a minha netinha?”

Joana sentiu um nó na garganta. As palavras não saíram, e em vez disso, lágrimas começaram a correr-lhe pelo rosto. A avó, com a sua paciência e ternura, acolheu-a nos seus braços e deixou-a chorar até não restar mais tristeza. Quando Joana finalmente conseguiu falar, murmurou: "Desculpa, avó."

E a resposta da avó veio, simples e reconfortante: "Não importa o que aconteceu, o que importa é que estás aqui, e o meu coração está feliz."

Nesse momento, Joana soube que o verdadeiro sucesso não estava nos aplausos ou na fama, mas sim na honestidade consigo mesma e com os outros. Ao lado da sua avó, sentiu que finalmente encontrara o caminho de volta a casa.

Quanto vale um sonho?

A questão "quanto vale um sonho?" leva-nos a refletir sobre os limites que estamos dispostos a ultrapassar em nome de algo que desejamos profundamente. Um sonho, por mais nobre ou grandioso que seja, pode tornar-se uma força motivadora que nos impulsiona a crescer, a enfrentar desafios e a superar as nossas próprias limitações. No entanto, também pode transformar-se numa armadilha, levando-nos a comprometer os nossos valores e a magoar aqueles que nos rodeiam.

Quando perseguimos um sonho, especialmente um que envolve grandes sacrifícios ou ambições, somos confrontados com escolhas difíceis. A pressão para alcançar o sucesso pode despertar comportamentos que não esperávamos de nós próprios, como a desonestidade, o egoísmo ou a manipulação. É precisamente nestes momentos que esta pergunta se torna crucial. Estamos dispostos a sacrificar a nossa integridade, as nossas relações ou até a nossa felicidade interior para alcançá-lo? E, se o fizermos, será o sonho alcançado realmente satisfatório?

A história de Joana, por exemplo, mostra-nos que, ao ultrapassar certos limites morais na sua busca pelo sucesso, ela perdeu mais do que ganhou. O sonho de conseguir o papel pelo qual tanto lutou revelou-se vazio quando percebeu o custo que tinha acarretado — a perda de uma amizade e a sensação de traição a si mesma. Foi apenas quando recuou e reavaliou as suas ações que ela compreendeu que o sonho não deveria ser alcançado a qualquer preço.

Esta reflexão leva-nos à conclusão de que o caminho para realizar um sonho deve ser trilhado com cuidado, mantendo a autenticidade e os valores pessoais como guias. O verdadeiro sucesso não está apenas em alcançar o objetivo, mas em fazê-lo de uma forma que nos permita olhar para trás com orgulho e paz interior. Afinal, se ao fim da jornada tivermos comprometido a nossa essência, o sonho realizado pode acabar por ser uma desilusão.

Em última análise, o sonho deve ser uma fonte de inspiração, e não um pretexto para justificar ações que nos afastam daquilo que somos. Saber até onde podemos ir na busca de um sonho é, talvez, o maior desafio, pois exige autoconhecimento, autocontrole e, acima de tudo, a coragem para reconhecer quando o preço se torna demasiado alto.

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