A nossa volta ao mundo


Nunca me vou esquecer daquela aula de Português. A professora Helena, que usava sempre óculos enormes e camisolas largas de lã, antes de nos deixar sair da sala disse, com um sorriso na cara de quem andava a tramar alguma coisa:

— “Hoje não têm como TPC continuar com os Lusíadas nem fazer análise sintática,” disse, enquanto arrumava a mala. “Em vez disso, quero que escrevam num papel onde se imaginam daqui a dez anos. Façam mesmo uma introspeção, não escrevam somente ‘ter um emprego’ ou ‘ter uma casa’. Quero que fechem os olhos e pensem mesmo onde estariam, o que estariam a fazer. Depois, dobrem esse papel e escondam-no num sítio onde não olhem com frequência. Um sítio especial. E só o vão reencontrar quando for a altura certa.”

Na altura, eu achava que era só mais um daqueles exercícios meio poéticos que os professores gostam de inventar. Mas confesso que aquela proposta me tocou. Talvez fosse a forma como ela nos olhou, como se dissesse: “isto é mesmo importante, mesmo que ainda não saibam porquê”.

No caminho para casa, decidi passar pela minha papelaria favorita, uma loja muito bonita no centro, com cheiro a papel e lápis novos. Lá encontrei um bloco de notas aderentes vintage, com um padrão de mapa mundo, de estilo antigo. Tinha-o visto vezes sem conta e sempre achei lindo, mas nunca “precisei” dele. Naquele dia, pareceu-me o papel perfeito para escrever um pedaço do meu futuro.

Cheguei a casa, sentei-me na secretária e escrevi com a letra mais bonita que consegui:

“Daqui a 10 anos espero ter acabado a minha licenciatura em direito, na Universidade de Lisboa, e ter feito uma volta ao mundo com a minha irmã, de mochila às costas.”

Lembro-me de não saber mais o que escrever, mas que aquelas duas coisas eram certas para mim. A ideia parecia tão clara, tão possível. Eu e a minha irmã sempre tivemos uma ligação muito forte, e partilhar o mundo com ela parecia o auge da liberdade. Mas era um sonho. Um daqueles que a gente guarda e vai esquecendo, à medida que cresce.

Colei a nota aderente com cuidado dentro do meu livro favorito na altura: A Sombra do Vento, do Zafón. Um livro que já tinha lido três vezes e que sabia que não ia reler tão cedo. Foi o esconderijo perfeito.

E assim passou o tempo.

A vida foi acontecendo: entrei em Direito na Universidade de Lisboa, estagiei, fui contratada, especializei-me, tornei-me advogada. E nunca mais pensei naquela aula, nem na nota aderente. A vida adulta foi-se impondo, contas, prazos, reuniões, e a ideia de viajar com uma mochila às costas foi ficando para trás, substituída por pastas cheias de processos e dias contados ao minuto.

Até que, há algumas semanas, a minha irmã ligou-me. Já não nos víamos há algum tempo, com a correria da vida e o “depois combinamos”. Marcámos um almoço num daqueles nossos sítios preferidos, onde servem bruschettas e sumos naturais em copos de vidro com palhinhas de metal.

Quando cheguei, ela já estava à minha espera. Abraçámo-nos, rimo-nos, pusemos a conversa em dia. Até que, a meio da refeição, ela tirou da carteira um livro. A Sombra do Vento.

— “Estava com vontade de ler algo novo e este livro chamou-me à atenção, então levei-o para ler... e qual não foi a minha surpresa quando encontrei isto,” disse, sorrindo. Abriu o livro devagar, como quem revela um segredo, retirou a nota aderente e colou-a na mesa, mesmo à minha frente.

“Daqui a 10 anos espero ter acabado a minha licenciatura em direito, na Universidade de Lisboa, e ter feito uma volta ao mundo com a minha irmã, de mochila às costas.”

— “Lembras-te de escrever isto?” perguntou, olhando para mim com aqueles olhos brilhantes que sempre teve quando se entusiasmava com algo.

Fiquei em silêncio uns segundos, entre o riso e a emoção. Tinha-me esquecido completamente. Mas, ao ver aquelas palavras, foi como se tivesse regressado àquela tarde, àquela rapariga cheia de sonhos.

— “Nunca me tinhas falado destes planos,” continuou. “Era uma coisa que gostavas de fazer? É que vou terminar a minha licenciatura este ano e estava a pensar tirar um ano sabático antes de começar a trabalhar. Ainda não sei muito bem a fazer o quê, se voluntariado em algum lado, se aprender uma língua nova... mas quando li esta nota aderente deu-me uma certa clareza. Porque não fazer um mochilão pelo mundo e aproveitar esta fase da minha vida para conhecer o máximo que conseguir? E não há ninguém melhor para fazer isto do que contigo. Acho que podíamos pensar seriamente sobre isso.”

Fiquei a olhar para ela, sem saber bem o que dizer.

Parte de mim queria dizer logo que sim, que claro, que era tudo o que queria. Mas a outra parte, a mais racional, lembrava-me da minha carreira, dos clientes, da estabilidade conquistada com tanto esforço. Viajar pelo mundo? Agora?

Mas depois olhei para a nota aderente outra vez. Lembrei-me da sensação de escrever aquilo, da confiança quase ingénua com que acreditava que era possível. Percebi que uma das partes daquele sonho estava cumprida. A licenciatura estava feita. E a outra? Se continuasse a adiar, ia tornar-se só mais uma daquelas frases bonitas que escrevemos e nunca concretizamos.

Eu já tinha experiência. Já tinha construído uma base. O mundo não ia acabar se eu desaparecesse uns meses. As oportunidades continuariam à minha espera, talvez até surgissem novas.

Pensei: “Como me imagino daqui a 10 anos?”. Se calhar este sonho tem lugar agora e não noutra fase da minha vida.  

Olhei para ela. Sorri. E soube, naquele instante, que estava a dizer sim.

Foi ali, àquela mesa, com uma nota aderente colada entre dois copos de sumo de laranja, que começámos a nossa volta ao mundo.

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