Do acaso à eternidade

O calor do verão fazia-se sentir intensamente quando finalmente entreguei a última versão da minha dissertação. O mestrado em Artes Plásticas tinha sido um desafio drenante, mas agora, com o diploma nas mãos, sentia-me finalmente livre. Uma liberdade que, de certa forma, nunca tinha experimentado antes, que tanto me entusiasmava com amedrentava. Sabia que este era o momento certo para fazer algo mais ousado, sem preocupações, sem planos rígidos. Foi então que tomei a decisão mais impulsiva que alguma vez fizera: viajar para a Grécia. O meu objetivo? Hydra, uma ilha deslumbrante, conhecida pela sua beleza serena e pelo charme intemporal. Ouvira dizer que, longe das multidões turísticas, as paisagens eram pura poesia e sabia que aquilo era exatamente o que a minha alma precisava.

Comprei o bilhete de avião para Atenas e fiz a reserva do barco que me levaria até Hydra e, poucos dias depois, lá estava eu, numa ilha que parecia saída de um sonho. As ruas estreitas de pedra, as casas brancas com janelas azuis e o mar brilhante em todas as direções — cada detalhe alimentava o meu espírito criativo e mil e uma ideias palpitavam no meu coração. Instalei-me num hostel simples, mas acolhedor, e logo percebi que tinha feito a escolha certa. As tardes eram passadas a pintar. Encontrei um recanto perto de uma falésia onde a luz do fim do dia transformava tudo numa paleta de cores indescritíveis. As pinceladas vinham com naturalidade, inspiradas pelo ambiente, e em poucos dias já tinha algumas telas que me deixavam orgulhosa.

Nos momentos em que não estava de pincel na mão, aproveitava para conhecer as pessoas que, como eu, tinham ali chegado em busca de algo mais. Entre conversas soltas, partilhei risos, histórias, e descobri novos sabores da gastronomia local que enchiam as ruas de aromas. Uma noite, sentada no pequeno pátio do hostel, conheci alguém que viria a mudar o curso da minha estadia em Hydra. Chamava-se Liam, era neozelandês, e estava a fazer uma viagem pelo mundo. Tinha os olhos de um verde profundo e um sorriso que parecia contar todas as aventuras que já vivera. Começámos a falar como se já nos conhecêssemos há anos. Ele contou-me sobre os lugares que tinha visitado, dos desafios de viajar sem um plano fixo, das paixões que nos movem e das pequenas coisas que, no fim, acabam por ser as mais importantes.

Na manhã seguinte, como combinámos, fizemos uma caminhada pela ilha. Hydra, já de si mágica, parecia ainda mais especial na companhia dele. Fomos explorando as praias escondidas, os trilhos que poucos percorram, e no topo de uma colina, onde a vista se estendia até perder de vista no horizonte, trocámos um olhar silencioso que disse tudo o que as palavras não conseguiam expressar. Aquele sentimento de cumplicidade, de entendimento, de algo mais profundo, começava a florescer entre nós. A cada dia que passava, repetíamos as caminhadas, e com o passar do tempo, sem que nenhum de nós o admitisse logo, sentíamos que algo de muito bonito se estava a desenvolver.

Uma semana depois, enquanto desenhava uma nova paisagem inspirada nas nossas aventuras, recebi um e-mail inesperado. Uma galeria de arte em Lisboa, onde um dos meus antigos professores trabalhava, queria expor alguns dos meus quadros. O meu professor tinha sido sempre um grande admirador do meu trabalho e recomendou-me à curadora da galeria. A notícia deixou-me eufórica, mas também trazia uma realidade à qual eu não queria ainda enfrentar: teria de voltar a Lisboa. Quando contei ao Liam, ele sorriu, genuinamente feliz por mim, mas os seus olhos não conseguiram esconder a tristeza. Sabíamos que a nossa despedida estava cada vez mais próxima, mas em vez de nos lamentarmos, prometemos aproveitar ao máximo os dias que nos restavam juntos.

Nessa noite, ele preparou-me uma surpresa simples, mas cheia de significado. Sabendo que eu adorava chá, comprou-me uma caneca de cerâmica, com um desenho bonito repleto de livros, e com a pouca experiência que tinha na cozinha, seguiu um tutorial para fazer um bolo nela no micro-ondas. Era algo modesto, mas o gesto foi mais do que suficiente para aquecer o meu coração. Quando me ofereceu a caneca, com o bolo no seu interior, olhei para ele, emocionada. Aquele pequeno objeto representaria, para sempre, o nosso tempo em Hydra. A noite foi mágica, uma despedida antecipada que selou o que de mais especial tínhamos partilhado.

Poucos dias depois, já em Lisboa, mergulhei de cabeça nos preparativos para a exposição. Os dois meses que se seguiram foram intensos, cheios de trabalho, mas gratificantes. Era a minha primeira exposição individual e sabia que tinha de dar tudo de mim. Escolhi os meus melhores quadros, incluindo aqueles que tinha pintado em Hydra, carregados de todas as memórias e sentimentos que lá vivi.

No dia da inauguração, a sala estava cheia, e a ansiedade misturava-se com o entusiasmo. Ouvi elogios, aplausos, comentários de incentivo, mas foi quando ouvi uma voz dizer: "Eu quero ficar com este" que o meu coração parou. Olhei na direção de quem falava e não consegui acreditar. Era o Liam. Apontava para um quadro que significava tudo para mim, aquele que tinha pintado já de volta a Portugal, inspirado numa fotografia nossa, tirada numa das nossas caminhadas. Dois rostos de perfil, a tocar um no outro, perdidos numa paisagem grega. Ele estava ali, na minha primeira exposição, no momento mais importante da minha vida, e tudo voltou a fazer sentido. A nossa história, o nosso tempo juntos, não tinha terminado. Sorri, enquanto os nossos olhares se cruzavam, e nesse instante soube que, tal como a caneca que me oferecera, Liam nunca deixaria de fazer parte do meu mundo.

Viajar abre mesmo os nossos horizontes?

Obviamente que, para elaborarmos esta resposta, é necessário ter em conta o tipo de viagem e a entrega individual de cada um à mesma, mas de uma perspetiva mais filosófica e abrangente, podemos afirmar que sim, a viajar tem a capacidade de abrir os nossos horizontes, tanto numa forma mais literal quanto metafórica. Quando viajamos para novos lugares, somos expostos a culturas, paisagens, pessoas e experiências diferentes daquelas a que estamos habituados, e isso pode provocar uma transformação profunda em nós. Mas de que forma podemos ampliar os nossos horizontes? Deixamos-lhe algumas formas:

·        Novas perspetivas: Viajar permite-nos ver o mundo através dos olhos de outras culturas e formas de vida. Ao sair da nossa zona de conforto e do nosso meio questionamos ideias pré-concebidas que porventura temos e começamos a ver o mundo com mais nuances e empatia.

·        Desenvolvimento criativo: Novos lugares podem ser combustíveis para a nossa criatividade. Ao conhecer novas formas de arte, arquitetura, natureza e até modos de viver, o nosso cérebro desperta para novas possibilidades, abrindo a mente a formas inovadoras de pensar e, consequentemente, criar.

·        Confronto com o desconhecido: Viajar ensina-nos a lidar com o inesperado, a improvisar e a adaptar-nos a situações desconhecidas. Essa flexibilidade mental ajuda-nos a crescer, a aprender a resolver problemas de forma criativa e a enfrentar o desconhecido com mais confiança.

·        Enriquecimento pessoal: Cada lugar traz consigo a sua história, tradições, gastronomia, língua etc. Ao imergir numa nova cultura, aprendemos não apenas sobre o outro, mas também sobre nós próprios — as nossas limitações, medos, paixões e desejos.

·        Conexões humanas: As pessoas que encontramos ao longo do caminho podem mudar a forma como vemos o mundo e como nos relacionamos com ele. Cada encontro é uma oportunidade para aprender algo novo, seja sobre o outro, seja sobre nós mesmos.

·        Desafiar a rotina: Viver num ambiente familiar muitas vezes nos faz entrar num ciclo de monotonia e previsibilidade. Viajar rompe com isso e oferece novas experiências sensoriais, emocionais e intelectuais que nos ajudam a crescer.

Por isso, viajar vai mais além do que apenas conhecer lugares novos, é também embarcar numa viagem interna que nos desafia, inspira, enriquece e amplia os nossos horizontes mentais e emocionais. Torna-nos mais abertos, mais conscientes e capazes de apreciar a riqueza e a diversidade do mundo onde vivemos.

13 de agosto de 2025
Hoje, o caderno da Matilde está guardado na minha mesa de cabeceira. Às vezes abro-o, quando me sinto longe de mim. Quando esqueço quem fui naquele verão. E cada vez que o leio, lembro-me: fomos felizes ali.
6 de agosto de 2025
E, às vezes, ainda volto a abrir a caixa onde guardei as notas aderentes daquele verão. Só para me lembrar do que sou e do que a minha mãe me ensinou, com um gesto simples e um coração cheio.
30 de julho de 2025
Quando me deitei, encontrei um postal debaixo da almofada. Era de um papel espesso, com um toque suave, como os de antigamente, com várias borboletas desenhadas em tons suaves de azul e dourado, quase a esvoaçar para fora da página. Tinha um aspeto antigo, mas lindíssimo, como se tivesse atravessado décadas só para me
23 de julho de 2025
Desfez o laço com uma curiosidade quase infantil e retirou um tubo redondo. Quando viu o que era, os olhos brilharam: um puzzle vintage, com uma ilustração delicada de flores silvestres, tudo em tons suaves e ligeiramente desbotados, como se o tempo tivesse passado por ele devagarinho. “É maravilhoso,” murmurou.
16 de julho de 2025
— Preciso que vás a casa. À gaveta da minha mesinha de cabeceira, do lado direito. Está lá uma bolsinha de pano, antiga… tem uns beija-flores desenhados. Traz-ma amanhã, sim?
9 de julho de 2025
Aquela tote bag que ele tinha preparado com tanto cuidado, carregava muito mais do que comida ou toalhas. Carregava o carinho dele, a paciência, a vontade de me fazer lembrar que nem todos os dias maus duram para sempre.
2 de julho de 2025
Numa tarde quente, depois de mais um dia a tentar afastar os pensamentos dos exames, a minha mãe veio fazer-me companhia no jardim, trazendo duas canecas com chá frio e sentou-se ao meu lado. Ficámos ali, no silêncio que só o verão sabe dar, enquanto eu passava os dedos pelos desenhos impressos na cerâmica.
26 de junho de 2025
Não era um caderno qualquer, este parecia saído de outra época: tinha a capa dura em tons de azul escuro, com um mapa do sistema solar desenhado na mesma, onde dava para ver as constelações e os planetas na sua órbita.
18 de junho de 2025
Estava sozinho na sala, de joelhos no tapete, com o coração quente e um sorriso que não me largava o rosto. Tinha acabado de abrir o presente que me deram pelo aniversário: um poster vintage com ilustrações de dinossauros. Daqueles à moda antiga, com nomes científicos e poses majestosas. Era bonito — não só esteticamente, mas porque me trazia de volta a um tempo que parecia distante, quando eu próprio era criança e vivia obcecado com estes gigantes do passado.
11 de junho de 2025
Entrei pela porta da frente, e logo o fresco do interior me envolveu. Fui direta à estante baixa junto à lareira. E lá estava ele, de onde nunca saiu: o tubo do puzzle.
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