O tempo em que vivi na tua casa!

Os primeiros dias foram estranhos.
A Clara andava pela casa como se não quisesse ocupar espaço. Não abria o frigorífico sem pedir licença, não usava o sofá até eu me sentar primeiro. Tomava banho a correr, como se a água lhe pesasse na consciência.
— Não tens de andar em bicos dos pés — disse-lhe uma noite, enquanto cortava legumes para o jantar. — Isto não é um hotel. És minha irmã, não uma hóspede.
Ela sorriu, envergonhada e sussurrou:
— Esqueci-me de como era isso… ser cuidada.
Havia uma dor tão funda naquele sorriso que me doeu no peito.
Às vezes, ficávamos em silêncio à mesa, só a ouvir o tilintar dos talheres. Outras vezes, ela começava a falar como quem desabafa de rompante, sem aviso.
— Sabes que ele dizia que eu era “demasiado sensível”?
— Ele quem?
— O meu ex. O Miguel. Dizia isso quando eu chorava por nada. Ou quando me irritava com coisas pequenas. Como se sentir fosse um defeito.
Olhei para ela. Os olhos tinham aquela expressão de quem ainda se está a habituar à liberdade, como alguém que saiu de uma sala escura e ainda pestaneja à luz
— Talvez sejas. Mas isso não é um problema. É o que te torna… tu.
Ela respirou fundo. Pela primeira vez, deixou cair o garfo e encostou-se na cadeira.
— Eu deixei de me reconhecer, Inês. Estava sempre a tentar ser “menos”. Menos emocional. Menos chata. Menos exigente. Até um dia perceber que me tinha tornado… ninguém.
Levantámo-nos tarde várias vezes nesse mês. Ficávamos até às duas da manhã a ver filmes que já tínhamos visto mil vezes quando éramos adolescentes. “Dirty Dancing”, “Pretty Woman”, “Love Actually”… os clássicos. Ela recitava falas inteiras e ria-se de si própria.
Uma noite, depois de um desses filmes, estávamos a beber chá de camomila na varanda. Ela ficou muito quieta e depois disse:
— Eu ainda o amo, sabes?
Não respondi logo. Às vezes, as respostas não servem de nada.
— Mas também me amo a mim. E estou a aprender a escolher-me.
Dei-lhe a mão. Foi o nosso brinde silencioso.
Houve dias maus, claro. Discussões tolas por causa da louça, da roupa deixada na máquina, ou porque uma queria ver uma coisa na televisão e a outra outra. Mas aprendemos a pedir desculpa. Coisa que, em miúdas, raramente fazíamos sem um empurrão ou um puxão de cabelo.
Numa dessas manhãs em que trocámos palavras mais duras, ela saiu porta fora, furiosa. Voltou só à noite, com uma tablete de chocolate e um ramo de margaridas.
— Paz? — perguntou.
Ri-me.
— Paz, mas lavas a louça hoje.
Rimo-nos as duas, como se voltássemos a ter dez anos.
Começámos a fazer caminhadas ao domingo de manhã. No início eu achava que era só para arejar a cabeça dela, mas percebi que me fazia bem a mim também. Falávamos de tudo e de nada, da mãe, da infância, da escola, das nossas falhas. Falávamos como já não falávamos há anos.
— Eu senti tanto a tua falta — confessou um dia, ao pé do lago. — Mas não sabia como dizer. Fiquei à espera que fosses tu a dar o passo.
— Eu pensava o mesmo — admiti.
Ficámos ali, as duas a olhar a água parada, com essa verdade entre nós: às vezes o amor existe, mas encalha no orgulho.
Depois chegou a notícia da tal casa. Vi-lhe o entusiasmo nos olhos, mas também o medo disfarçado. Era um recomeço e, como todos os recomeços, vinha com dúvidas. Eu sabia que ela estava pronta, mas parte de mim não queria que fosse já.
Na noite anterior à mudança, fizemos jantar especial. Massa à bolonhesa — a preferida dela. Abrimos uma garrafa de vinho e pusemos música antiga
— Estás pronta? — perguntei.
Ela pensou, mastigou devagar, e depois disse
— Estou pronta para tentar. O que já é mais do que alguma vez estive.
Dormimos pouco nessa noite. Falámos até tarde. Partilhámos memórias, fotos antigas, fizemos planos para a casa nova, e rimos até doer a barriga.
No dia seguinte, ela saiu com o carro cheio de caixas. Despedimo-nos como quem diz "até já", mas eu sabia que estava a fechar-se um ciclo.
Quando me deitei, encontrei um postal debaixo da almofada. Era de um papel espesso, com um toque suave, como os de antigamente, com várias borboletas desenhadas em tons suaves de azul e dourado, quase a esvoaçar para fora da página. Tinha um aspeto antigo, mas lindíssimo, como se tivesse atravessado décadas só para me encontrar ali.
Li-o de luz acesa. Depois li-o outra vez, em voz baixa. Chorei. Sozinha, mas não triste. Era um choro quente, de quem ama e é amada. De quem, depois de tanto tempo, voltou a ser irmã.
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