Traços que se entrelaçam


Nunca vou esquecer aquele mês de setembro em que a minha vida mudou por completo. Tinha acabado de ser aceite na faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa, o que significava não só um curso novo, mas também uma cidade nova e, acima de tudo, uma vida nova. Até então, tinha vivido sempre na mesma terra, rodeada da mesma gente, com os meus pais sempre à distância de um grito da sala para a cozinha. De repente, ia ser adulta e ia ter de tratar de tudo sozinha.

O processo começou com a busca pela casa. Passei horas em sites de arrendamento, a comparar fotos minúsculas de quartos, a ler descrições que pareciam todas iguais: “Quarto soalheiro”, “próximo dos transportes”, “ambiente calmo”. Quando finalmente encontrei um T1 pequenino, mas acolhedor, senti um alívio e um frio na barriga e pedi ao universo que o guardasse para mim. O prédio era antigo, com azulejos a descascar nos degraus da escadaria, mas o quarto tinha uma janela enorme que deixava entrar toda a luz da manhã. Assinar o contrato foi como assinar a minha entrada no mundo dos crescidos, oficialmente.

Os dias seguintes foram um turbilhão de tarefas e emoções: listas intermináveis de coisas para comprar, desde tachos e pratos até uma estante que, no fim, montei às três da manhã porque não conseguia parar de querer ter tudo arrumado. Descobri a cidade aos poucos, entre ruas estreitas de calçada irregular, cafés com cheiro a pão acabado de sair e supermercados onde parecia que ninguém falava a minha língua. Cada pequeno detalhe fazia-me sentir à mesma tempo excitada e perdida.

Os meus pais ajudaram em cada passo, sempre com aquela mistura de orgulho e preocupação. Montaram a cama, penduraram cortinas, ajudaram a carregar caixas pesadas que eu nem sabia de onde tinham surgido. No dia em que se despediram de mim, à porta do prédio, a minha mãe ainda perguntou se eu queria que ela ficasse mais uns dias. Disse que não, a sorrir, mas assim que os vi afastarem-se, percebi que a ficha me tinha caído: agora estava verdadeiramente por minha conta.

Aquela noite foi das mais difíceis da minha vida. Sozinha, no meu quarto ainda a cheirar a tinta fresca e a mobília nova, os medos vieram todos ao de cima: e se não gostava do curso? E se não fazia amigos? E se afinal não era feita para estar sozinha? Sentei-me na beira da cama, abracei a minha almofada, e senti o aperto no peito a crescer. Liguei o candeeiro na mesinha de cabeceira e deixei a luz amarela aquecer um pouco a ansiedade. Virei-me e revirei-me na cama, o coração a bater descompassado, quase a desejar que o tempo parasse. Mas o despertador não quis saber da minha ansiedade e tocou cedo, anunciando o primeiro dia da minha vida universitária.

Vesti-me com cuidado, escolhi uma roupa confortável, mas arrumada, preparei a mochila e lá fui, com passos inseguros, até à sala de Desenho I. A cidade já estava desperta, com o cheiro a pão fresco das pastelarias e o burburinho dos primeiros autocarros a encher as ruas. Ao chegar à faculdade, senti uma mistura de admiração e nervosismo. O edifício era moderno, com corredores altos e janelas enormes, cheios de cartazes com concursos e eventos de estudantes.

Sentei-me ao lado de uma rapariga morena, de ar tranquilo e olhar gentil. Mal tive tempo de respirar fundo: o professor entrou logo, a falar da importância do desenho na arquitetura, a preparar-se para iniciar a aula. Abri a mochila, tirei o caderno e comecei a procurar o estojo. Nada. Voltei a procurar, abri todos os fechos, virei quase a mochila do avesso. Nada. “Como é que eu me fui esquecer do estojo logo hoje?”, pensei, sentindo o rosto a aquecer de nervosismo.

— Precisas de um? — ouvi uma voz suave ao meu lado.

Levantei os olhos. Era a rapariga morena, a mesma que se tinha sentado perto de mim. Empurrava para a minha direção uma caixa metálica vintage, com uma paleta de cores desenhada na tampa, cheia de lápis organizados por tom.

— Sim… obrigada! Esqueci-me completamente do meu estojo… — murmurei, um pouco envergonhada.

Ela sorriu, de forma aberta e tranquila:

— Não tem problema. Podes ficar com ele, acho que é mesmo a tua cara. Se precisares de mais, podes pedir.

Senti-me imediatamente acolhida. Respondi-lhe com um sorriso genuíno:

— Obrigada, a sério.

Aquele gesto simples foi como uma chave a abrir uma porta. Começámos a conversar sobre o curso, os professores, a cidade, e cada pequena partilha tornou-se um fio que nos ligava. No intervalo já estávamos a rir juntas, a trocar histórias da nossa vida antes da faculdade. À hora de almoço, decidimos ir juntas à cantina, e entre risos nervosos e confidências de “primeiro dia”, nasceu uma ligação que, com o tempo, se transformaria na primeira grande amizade da minha vida universitária.

Ainda hoje guardo aquela caixa metálica, cheia de lápis bonitos, não só como recordação de um objeto útil, mas como símbolo do início de uma nova fase da minha vida. Foi a prova de que, mesmo nos momentos de maior medo e solidão, há sempre alguém pronto a estender-nos a mão. E naquele dia, entre lápis coloridos e risos tímidos, percebi que, talvez, a cidade nova e a vida adulta não fossem assim tão assustadoras.


Conjuntos de Lápis Cavallini


Os conjuntos de lápis Cavallini destacam-se pela excelência da sua qualidade e pelo charme do design vintage, inspirado nas autênticas ilustrações dos nossos arquivos. Cada caixa contém 10 lápis HB nº2, cuidadosamente afiados, que oferecem um traço médio escuro e suave, ideal tanto para escrita como para desenho com precisão. Os lápis apresentam dois padrões distintos, ambos evocando a estética nostálgica característica da Cavallini, aplicados tanto nos lápis como na própria caixa. Incluindo ainda um prático apara-lápis, estes conjuntos são perfeitos para quem valoriza detalhes requintados e a qualidade incomparável da marca, sendo também uma opção de presente elegante e memorável.

10 de setembro de 2025
O nosso primeiro beijo nasceu ali, na cozinha, entre o aroma de vinho branco a evaporar na frigideira, o tilintar distante de uma colher esquecida no balcão, e um avental com cogumelos que parecia ter sido feito de propósito para aquele momento. Foi doce, inesperado e absolutamente inevitável.
27 de agosto de 2025
Anos mais tarde, caminhando pela cidade, passei por uma loja vintage e, por acaso, reparei numa toalha na montra, era igual à da Mariana, o que me fez lembrar imediatamente daquela tarde de despedida. Todas as memórias vieram à tona, como se nunca tivessem partido.
20 de agosto de 2025
Continuei a minha viagem. Visitei cidades com nomes que nunca tinha ouvido, comi sozinha em esplanadas, andei perdida, dancei numa praça sem música, mergulhei num lago gelado, chorei sozinha num comboio e em cada lugar que me tocou, tirei da mochila um dos postais. Escrevi. Coisas pequenas.
13 de agosto de 2025
Hoje, o caderno da Matilde está guardado na minha mesa de cabeceira. Às vezes abro-o, quando me sinto longe de mim. Quando esqueço quem fui naquele verão. E cada vez que o leio, lembro-me: fomos felizes ali.
6 de agosto de 2025
E, às vezes, ainda volto a abrir a caixa onde guardei as notas aderentes daquele verão. Só para me lembrar do que sou e do que a minha mãe me ensinou, com um gesto simples e um coração cheio.
30 de julho de 2025
Quando me deitei, encontrei um postal debaixo da almofada. Era de um papel espesso, com um toque suave, como os de antigamente, com várias borboletas desenhadas em tons suaves de azul e dourado, quase a esvoaçar para fora da página. Tinha um aspeto antigo, mas lindíssimo, como se tivesse atravessado décadas só para me
23 de julho de 2025
Desfez o laço com uma curiosidade quase infantil e retirou um tubo redondo. Quando viu o que era, os olhos brilharam: um puzzle vintage, com uma ilustração delicada de flores silvestres, tudo em tons suaves e ligeiramente desbotados, como se o tempo tivesse passado por ele devagarinho. “É maravilhoso,” murmurou.
16 de julho de 2025
— Preciso que vás a casa. À gaveta da minha mesinha de cabeceira, do lado direito. Está lá uma bolsinha de pano, antiga… tem uns beija-flores desenhados. Traz-ma amanhã, sim?
9 de julho de 2025
Aquela tote bag que ele tinha preparado com tanto cuidado, carregava muito mais do que comida ou toalhas. Carregava o carinho dele, a paciência, a vontade de me fazer lembrar que nem todos os dias maus duram para sempre.
2 de julho de 2025
Numa tarde quente, depois de mais um dia a tentar afastar os pensamentos dos exames, a minha mãe veio fazer-me companhia no jardim, trazendo duas canecas com chá frio e sentou-se ao meu lado. Ficámos ali, no silêncio que só o verão sabe dar, enquanto eu passava os dedos pelos desenhos impressos na cerâmica.
Show More